segunda-feira, 9 de maio de 2011

Artigo: A sociedade e a Reforma Política


Antônio Augusto Mayer dos Santos (*)
                                                                                               
  
    Não há mais possibilidade de contornar temas aflitivos que despertam indignação tanto na sociedade quanto na própria classe política. A sucessão de Comissões e adiamentos que as legislaturas registram, a par do desperdício de tempo, impulsiona uma sensação de que o desfecho pretendido jamais será alcançado. Assim, se a um ângulo a constante exposição da matéria converteu a Reforma Política numa espécie de redenção ética de cunho salvacionista, a outro é leviano supor que a sua aprovação funcionará como um antídoto capaz de eliminar todas as mazelas políticas que vicejam no país.
  No início do século XX, o dramaturgo alemão Bertold Brecht cunhou uma manifestação que se tornou célebre pela sua contundência:“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não sabe o custo de vida, preço do feijão, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, depende de decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.
   Reforma Política no Brasil não significa apenas necessidade de evolução mas de alteração perceptível e convincente nos mecanismos de acesso e desempenho de mandatos. A sistemática atual, defasada tanto ética quanto instrumentalmente, exige uma verdadeira recomposição para viabilizar o resgate da Política enquanto atividade digna e respeitável mas que hoje se encontra em desalento. Esta necessidade é inadiável na medida que as relações entre candidatos, partidos e mandatos estão num processo de saturamento que beira a hipertrofia.
   No entanto, conforme apontam estudos e análises, nenhuma das alterações preconizadas, especialmente aquelas mais divulgadas (sistema de financiamento de campanhas, voto em listas abertas ou fechadas, distritos eleitorais, voto facultativo), encerra uma solução definitiva. Há um regime de interdependência entre todos os itens. Depois, que uma modificação integral jamais será executada, seja porque as resistências são sólidas, seja porque algumas modificações são incompatíveis à realidade brasileira. Por fim, que no tocante à corrupção eleitoral, o eleitor não pode ser descartado da condição de partícipe e também deve ser avaliado. As decisões mais recentes da Justiça Eleitoral demonstram que a corrupção passiva é praticada tão intensamente quanto a ativa. 
   A cada legislatura, um contingente de respeitáveis e respeitados parlamentares se mobiliza visando modificar elementos do sistema. Rompendo a retórica, atuam reagindo ao corporativismo, à inércia e à omissão. Contudo, eles expressam uma minoria. Assim, se é verdade que os itens que constam da pauta foram inspirados e contrapostos mediante respeitáveis postulados teóricos e doutrinários, não é menos certo que somente com a participação ativa e organizada da sociedade através de eventos, fóruns e similares é que as mudanças terão alguma chance de acontecer. Tanto que nestes últimos 16 anos, quando os movimentos de pressão foram apenas tímidos, se para consumo externo o discurso foi convergente quanto à necessidade de modificações, na prática, as lideranças se apresentam desarticuladas e reticentes evidenciando que isto não é uma prioridade.
   Nem mesmo os anêmicos índices de credibilidade que as pesquisas de opinião conferem à maioria dos Congressistas e Legislativos tem sido suficientes para substituir a semântica pela atitude. Esta engrenagem frustra a cidadania pois a sensação dominante é de que não há respaldo às demandas sociais, especialmente aquelas mais eloqüentes e sobre as quais existe um clamor quase diário exigindo aperfeiçoamentos. O saneamento do sistema exige o fim da inércia.
   Dito por outras palavras: a geografia dos debates em torno da Reforma Política confinou o tema à Brasília e isto sempre foi um fator impeditivo à transparência e às reivindicações. O cidadão, destinatário final de toda esta situação, deve ser protagonista e participar. Já dizia o político e jurista gaúcho Assis Brasil: “O voto deve ser a voz, não o eco”.

(*) Antônio Augusto Mayer dos Santos
Advogado eleitoralista (RS)
Professor de Direito Eleitoral
Autor do livro “Reforma Política: inércia e controvérsias” (Ed. AGE, 2009)
aaugusto.voy@terra.com.br

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